terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

É difícil vê-lo como um adulto - Parte 1

Por Ana Paula do Rego

Sob o céu enegrecido pela escuridão da madrugada, todos os dias ele me espera no portão de casa. Rua deserta. Silêncio contínuo, saio e logo o comprimento:


-         Bom dia, Tchou!
-         Bom dia! – ele me responde

Na verdade seu nome é Edson, mas todos o conhecem pelo apelido: Tchou. Meu vizinho da frente desde sempre. É ele quem me acompanha até o ponto de ônibus quando saio para o trabalho. Às vezes, durante o caminho de menos de um minuto de casa até o ponto, ele já vai me contando os últimos acontecimentos da rua. Sempre atento. Não perde nenhuma novidade sobre os vizinhos, sobre o que viu ou fez no dia anterior, afinal isso é um passatempo para as limitações de sua vida simples e ingênua.
Diariamente seguimos nossa rotina. A minha com dias cheios de problemas a resolver, trabalho, cansaço, a cabeça a mil. Para Tchou, que aos 34 anos devido a uma deficiência intelectual possui a mentalidade de uma criança de 10 anos, sua rotina se resume a me levar ao ponto, buscar pão na padaria, passear com o Bingo (seu cachorro) e depois ir trabalhar em uma oficina de costura nos fundos de um quintal a três quadras de onde moramos. Ele trabalha há muitos anos nessa pequena oficina. Seu ofício é cortar as linhas que sobram das roupas já costuradas. Recebe pouco dinheiro e entrega uma parte para a sua mãe, com quem mora além de seu pai, irmãos e sobrinhos.
Tchou é metódico com seus horários, pois mesmo nos finais de semana, feriados ou quando vai dormir mais tarde, ele faz questão de acordar no mesmo horário de todos os dias e seguir a sua rotina. Nada o faz mudar em relação a isso.
Com seu corpo franzino de quem pesa aproximadamente 45 Kg, sua aparência pacata e observadora, ele é fácil de se reconhecer pela roupa que veste, o uniforme do Corinthians já surrado devido ao constante uso. Nos dias de jogo do seu time do coração posso ouví-lo gritar, da minha casa, tamanha é a animação a cada gol feito. Sua voz é inconfundível.

13 comentários:

  1. Ah, o Tchou! Esse é um personagem e tanto. Retratado pelas sua visão minuciosa, humana e delicada, torna-se impossível não simpatizar com o mesmo.

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  2. Gostei muito. Uma leitura muito agradável.

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  3. Puxa, me apeteceu essa coisa de Jornalismo Literário...lindo aqui!

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  4. Obrigado a todos que comentaram meu post. Quero que este espaço seja um lugar para a reflexão de um jornalismo e de uma escrita melhor a cada dia.

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  5. Ana, obrigada pela dica! Agora são dois: um pela curiosidade, outro pela indicação! Beijos!

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  6. AMEI! Conheço dois "Tchous", mas jamais conseguiria retratá-los com essa delicadeza e riqueza de detalhes! Bjo!

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  7. Eu seria suspeita para falar o quanto eu gosto de ler os textos dessa ótima jornalista. Mas como profissional e leitora fico impressionada com a capacidade que a Ana tem em retratar os fatos, e tiro o meu chapéu todos os dias para essa grande escritora, que não é apenas a minha colega de trabalho, mas sim minha amiga fiel de todos os momentos.

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  8. Lú, esse Tchou, em específico,é um exemplo de vida e sensibilidade. Beijos.

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  9. Jaque,
    Puxa, fiquei sem palavras com o seu comentário e me emocionei. Aprendo muito com você, diariamente e me satisfaço por saber que meus textos de jornalismo literário agradam seu faro jornalístico aguçado. Obrigado por tudo!

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  10. Um relato sensível e uma escrita fina por uma jornalista de olhar minucioso e detalhista.

    O textos está lindo (leia esse lindo como se fosse o Caetano falando lindo).

    Claro que vou voltar sempre!

    Beijos,
    Madson

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  11. ...com certeza o Tchou é um anjo
    que habita entre vocês.

    delícia te ler!

    bj

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  12. Trabalho com muitos "Tchous" e aprendi a enxergá-los como adultos.

    Beijinhos, Ana!

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